Ricardo Arruda
O infamiliar é um conceito freudiano que se refere a algo que apesar de ser absurdamente familiar, conhecido, costumeiro, é também inquietante, estranho e, portanto, contraditório. Utilizo esse termo como representação do presente trabalho, onde fotografei durante dias crianças de uma pequena localidade do sertão cearense. O que foi registrado é aquilo que nos é tão comum, tão familiar, crianças mal alimentadas, vivendo precariamente à beira de um trilho e à margem da sociedade. O infamiliar é o estranhamento que deveríamos ter diante dessa realidade que quase todos teimam em não enxergar. As minhas crianças sertanejas produzem rastros minúsculos que se imiscuem à poeira das pedras. Não conhecem energia elétrica, saneamento básico e nem muito menos sabem o que é comer todos os dias. O que é familiar, íntimo, é algo recalcado, secretamente posto para a seara do desconhecido, daquilo que negamos.
O presente ensaio trata de representações de sonhos ou pesadelos que venho tendo desde o início da pandemia da Covid. Em um ensaio psicológico, creio ter aproximadamente traduzido em imagens as afetações causadas em virtude da pandemia e da necropolítica brasileira. Sonos entrecortados, sonhos que remetem a mergulhos e violências. Sonhos que transmitem medo, angústia e aflição, que sufocam durante um longo mergulho noturno.