Osmar Gonçalves
Esta série surge de uma questão primordial: afinal, quais são os limites e as fronteiras dentro da cidade? Para quem ela vem sendo pensada e construída hoje? Desde 2014, tenho viajado por diversas cidades da América Latina fotografando as ruas à noite e, em cada uma delas, me surpreendo com o grande número de ambulantes povoando as praças, ocupando as calçadas, disputando cada centímetro vago nas esquinas. Envoltos na penumbra, eles emergem como vagalumes, como pequenos seres luminescentes, erráticos que, por meio de seus gestos nômades, afirmam outros modos de compreensão da cidade, outras formas de viver e praticar o espaço urbano. É que diante dos projetos de urbanização atuais, marcados pela gentrificação, pela assepsia e espetacularização dos espaços, os ambulantes surgem como forças de resistência, como pequenas insurgências a nos oferecer um tipo de experiência desviante, que desorganizam as fronteiras, subvertem as linhas demarcatórias do espaço urbano, reafirmando usos mais lentos e coletivos da cidade.
“As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis. E las desejam ser olhadas de azul – que
nem uma criança que você olha de ave”.
(Manoel de Barros)
Nos EUA dos anos 1970, jovens da periferia começam a
pendurar tênis nos fios de alta tensão como uma forma de
demarcar território, de sinalizar os limites entre determinadas
comunidades, gangues e facções. Um gesto político, portanto:
um modo de apropriação e de controle do espaço. Mas, ao
mesmo tempo, um gesto poético, uma maneira de reinventar, de
transfigurar as cidades. Algo que foi feito inicialmente para
estar no chão, aparece de repente flutuando no espaço,
reiventando a paisagem, criando novas escrituras urbanas –
uma espécie de grafite aéreo!
Nesta série, somos convidados a olhar pra cima e a prestar
atenção em pequenos gestos, em detalhes mínimos. Sob o
fundo branco composto pelas nuvens, um jogo de linhas e
formas se destaca, fazendo emergir uma cidade
plástica/gráfica, a poesia na superfície mesma do banal.