Beto Skeff
Para descrever um corpo é necessário primeiro perceber a sua presença: o arrastar das chinelas, o calor percorrendo a pele, o olhar seco da paisagem que acompanha as falas que acontecem por dentro. Mais de um milhão de faces, corpos em movimento, o Corpo da Fé. Esta substância fluida cria e recria fronteiras que se contraem e se dilatam com a sua passagem, como ventres que respiram juntos um sopro de vida que alimenta o caminho do Santo Sepulcro.
O Corpo da Fé é fronteira entre o efêmero e a perenidade. Afirmar isso é abraçar ainda mais sua natureza imprecisa, porosa, sendo essa indefinição justamente o que lhe permite reunir deslocamentos de origens tão diversas em torno de uma mesma busca, que deixa rastros de desejo e de gratidão. Essas jornadas atravessam o tempo, somando caminhos e passos, erodindo e edificando objetos de devoção.
Compreender essas rotas, também como pontos de encontro e de partilha, é perceber que essa devoção está em constante movimento, elaborando fala por fala, corpo a corpo, a imaterialidade pulsante da fé, que se faz como exercício do desejo, um desejo de realização, que provoca percursos entre presente e futuro, físico e espiritual.
“Doces desejos de fôlego” é um relato que pretende abordar a relação do sertanejo com a água, além da escassez. O devir das águas, das lágrimas às chuvas. Uma tentativa de deslocar a fotografia de uma zona classificatória: ora documental, ora ficcional, ora de natureza indefinida, sempre respeitando a vontade de descrever e compartilhar memórias e ânsias, que só o distanciamento da origem possibilita. Um olhar que busca reencontrar o menino do interior e que reflete o brilho dos olhos das mulheres e mães do sertão – em especial Dona Tieta, minha mãe.